sexta-feira, 22 de maio de 2009

CULPA

A culpa existe? Sim, tanto quanto os fantasmas existem nas cabeças dos que neles crêem. Então a culpa é uma invenção da imaginação do homem? Sim. Mas então como se explica isto?
A vida na sociedade humana presume, exige mesmo, certas regras; neste “pacote” de regras vem um elemento punitivo denominado castigo que se destina a intimidar todo aquele que pretenda infringir o estabelecido. Com o intuito de se instrumentalizar para enfrentar os problemas decorrentes das infrações às regras de conduta, a sociedade instituiu o Direito, isto é, uma instituição que cuida, entre outros, dos casos de desvio de conduta. Para melhor atuar, o direito estudou e fez algumas classificações práticas para o funcionamento mais rápido e eficiente (ao invés de eficiente, aqui deveria ser “justo”; no entanto as conveniências e o despreparo sociais impedem a verdadeira justiça) possível da instituição.
O desvio de conduta passou a ser denominado de crime e, este, classificado como culposo ou doloso. Culposo, quando apenas houve falha do indivíduo que cometeu o “crime”, sem que, no entanto, ele o tenha premeditado; o doloso é justamente quando houve premeditação, intenção. Após todo um processo de julgamento, e isto por uma questão de praticidade, o acusado de crime, o réu, é definido entre duas possibilidades; culpado ou inocente. Não se usa, neste momento, o termo dolo, mesmo que exista. Ora, advém daí a expressão de culpado pra tudo quanto é situação em que alguém infringe os “mandamentos” sociais. Para as coisas mais simples: “o culpado é fulano!”
O Direito evoluiu em alguns países, onde já não se pensa simplesmente em se punir o “criminoso” (sim, entre aspas, pois passa a ser uma expressão questionável) e sim “ajustá-lo ao meio”; isto representa um grande progresso do Sistema: o homem se aproximando mais e mais do Homem.
No reino animal, isto é, entre os irracionais (já que o homem também é animal), não existe culpa. Podemos acusar o animal doméstico porque quebrou um objeto da casa? Jamais. Mas quantos “humanos” não castigam os animais que assim procedem, vendo neles culpados, como se humanos dotados de compreensão fossem? Uma coisa é adestrar um animal (adestrado ele jamais erra, pois apenas cumpre condicionamentos), outra é castigá-lo, que nada mais é do que jogar sobre ele todas nossas iras e problemas não resolvidos. Já o “adestramento” humano decorre de outra maneira: é tudo explicado.
Se não o é, deveria, e é justamente aí que começam os desajustamentos sociais.
O processo usado para o ajuste do indivíduo às regras sociais denomina-se educação. Ora, para educar é indispensável que o educador seja educado. Daí advém que o processo é lento, pois até que tenhamos uma quantidade mínima de bons educadores temos que conviver com fórmulas violentas de relações humanas onde os indivíduos se sobrepõem uns aos outros pela força, decorrendo, daí, um conjunto de regras sociais eivado de hipocrisias, onde o termo “respeito” não tem significado algum ou significa muito pouco. Neste sistema torto imperam regras simplistas pois os indivíduos estão longe de “pensar” o como as coisas poderiam ser e, se estão longe disto, o quão longe estão de tomar alguma atitude no sentido de modificar para melhor o quadro existente?
Nesse quadro simplista prevalecem certos termos, também simplistas, tais como culpa e perdão, onde o perdão presume a anterior culpa, pois não cabe perdoar a quem não tem culpa. E, afinal, a culpa existe ou não? NÃO! Num patamar mais elevado, lá na alma do indivíduo (Existe alma? É possível.), culpa está fora de questão. Somos seres imperfeitos, mas em busca justamente dessa danada de perfeição, coisa tão difícil e que nem sabemos bem o que é. É uma meta sempre indefinida de Ser, de se buscar a própria essência, o próprio centro. Nesta busca cometemos os mais “desvairados crimes” na esfera humana, crimes que escondemos pelo medo de represálias daqueles que, também os cometendo, não suportariam ver, em nós, a imagem deles mesmos: fariam de nós bodes expiatórios, o que não é nada agradável.
Vivemos num mundo nada piedoso, nada justo no que, à primeira vista, denominamos de “justo”, pois o Mundo é o que é e mais temos que nos ajustar a ele do que esperar que ele mude pra começarmos a viver. Erros sempre cometeremos e é bom que assumamos a responsabilidade pelos mesmos, no mínimo perante nós mesmos, se não os quisermos assumir socialmente, devido às conseqüências que adviriam.
Não peçamos perdão (ou desculpa, que é praticamente o mesmo) por nossas falhas junto a alguém; retratemo-nos que é bem melhor, mais profundo, mais completo, diferenciando-se do simplismo do perdão, atitude carregada de emoções, se não apenas emocional, que mais se assemelha ao passar de uma borracha sobre um erro que, mesmo que inconscientemente, pretendemos, mais adiante, cometer novamente.
Já retratação não pode ser um discurso decorado, tampouco movido apenas pela emoção, pois deve refletir um estado d’alma aliado a um compromisso que busca o aperfeiçoamento na esfera espiritual.
E não sejamos ingênuos pensando que as pessoas a quem nos retratamos são puras, isentas de “pecado”. Como diz o Millor Fernandes, “..., quem tem culpa é o primeiro a atirar a pedra. Basta ver qualquer processo por corrupção.”
Preferível errar na busca de vivências que nos proporcionem oportunidades para melhor conhecimento da vida e dizer, como na música cantada pela Edith Piaf, “Não me arrependo de nada!”, do que ficar se arrastando na vida sob o peso de culpas que nos fizeram crer que existem.

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